Fred Malone
Se eu pudesse melhorar a eficácia das pregações
pastorais e o cuidado pastoral na igreja, convocaria todos os pastores para
assimilar a doutrina da Lei e o Evangelho nas Escrituras. Quando pela primeira
vez fui servir como sócio de Ernie Reisinger em 1977, ele exigiu que eu
estudasse Romanos 6.14 sobre a Lei e o Evangelho e colocou em minhas mãos um
livro: The True Bounds of Christian Freedom (Os Verdadeiros
Laços da Liberdade Cristã) de Samuel Bolton. O livro de Ernie sobre a Lei e o
Evangelho contém muito daquilo sobre o que conversamos naqueles dias.
Há muita controvérsia e ignorância sobre esta
doutrina nos dias de hoje. Os erros nesta doutrina desovaram o
dispensacionalismo, a teonomia, a nova perspectiva de Paulo, o
hiperconvencionalismo, o legalismo, o antinomianismo, o evangelismo sem
profundidade, a santificação superficial, os erros de adoração e o misticismo
antibíblico. Mas os nossos antepassados reformados e batistas de um modo geral
não sucumbiram a tais erros antes de 1900. Por que não? Creio que foi porque
compreendiam a doutrina bíblica da Lei e do Evangelho. Pode-se vê-lo na suas
declarações de fé e suas obras. [1] Espero que os pastores de hoje,
especialmente os pastores batistas, tornem a estudar esta doutrina e reformulem
suas vidas e ministérios através dessas verdades.
Charles Bridges, autor de The Christian Ministry (O Ministério
Cristão), disse:
O sinal de um ministro "aprovado, como obreiro
que não tem do que se envergonhar" é o "que maneja bem a palavra da
verdade."... Esta revelação é dividida em duas partes — a Lei e o
Evangelho — essencialmente diferentes; mas tão intimamente ligadas, que o
conhecimento exato de uma não pode ser obtido sem a outra. [2]
Se o entendimento da doutrina da Lei e do Evangelho
é tão importante, então cada seminário deveria ensiná-la corretamente e cada
pastor deveria dominá-la. Neste pequeno artigo, vamos examinar a doutrina
esquadrinhando Romanos 6.14, exegeticamente e pastoralmente.
Exegeticamente
"Porque o pecado não terá domínio sobre vós;
pois não estais debaixo da lei, e sim da graça" (Romanos 6.14).
O contexto deste versículo é a discussão de Paulo
sobre santificação. Paulo ensinou que todos pecaram e perderam a glória de Deus
(Romanos 1-3). Também ensinou que os pecadores arrependidos foram de uma vez
por todas justificados somente pela fé em Cristo (Romanos 4-5). Essa
justificação uma-vez-por-todas talvez atraia alguns a procurar vantagens na
graça de Deus e continuar a pecar para que a graça abunde (6.1). Mas Paulo
rejeitou tal pensamento sobre santificação como impossível para o homem
justificado (Romanos 6-8). Por quê? Porque "o pecado não terá domínio
(autoridade, governo, tirania) sobre vós; pois não estais debaixo da lei, e sim
da graça" (6.14).
Esta não é uma declaração imperativa, uma ordem
para obedecer. É uma declaração de fato, indicativa. Poderíamos chamá-la de
promessa de Paulo aos cristãos romanos. Esta declaração explica por que é
impossível para o homem justificado viver sob o domínio do pecado como acontece
com o que não é convertido. Ele está debaixo da graça. Estar debaixo da graça é ficar livre
da escravidão do pecado, que é o estado natural de todos os homens debaixo da lei. Deus não vai
permitir a tirania do pecado na Nova Aliança de Jesus Cristo (Jeremias 32.40).
"Vamos pecar para que a graça abunde" não deve ser o princípio que opera
nos que foram justificadas de-uma-vez-por-todas pela fé somente (Romanos
5.1-2). Alguma coisa que existe debaixo da graça não permite. Tudo mais é fé falsa,
ainda debaixo
da lei.
Debaixo da Lei
Se Paulo estivesse falando apenas a cristãos
judeus, debaixo da lei poderia ser uma referência
principalmente à Aliança do Sinai, como em Hebreus. Contudo, os cristãos
romanos eram principalmente gentios. Estar debaixo da lei nesta passagem
não pode significar que estivessem antes debaixo da lei ou da aliança mosaica.
Mas Paulo diz que esses gentios estavam antes debaixo da lei e, portanto,
condenados sob o domínio do pecado.
Paulo explica que todos os homens estão "debaixo da
lei" no que se refere a Deus em Adão como a cabeça da
raça humana e, portanto, condenados pela transgressão de Adão (Romanos
5.12-19):
"Portanto, assim como por um só homem entrou o
pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os
homens, porque todos pecaram... Pois assim... por uma só ofensa, veio o juízo sobre
todos os homens para condenação... (Romanos 5.12,18).
Adão foi colocado debaixo da lei como princípio
operante em seu relacionamento com Deus. Se ele obedecesse as Leis Divinas
perfeitamente, seria abençoado; se as desobedecesse, seria amaldiçoado. Esta
aliança-da-lei com Adão geralmente é chamada de Aliança das Obras (da Vida, do
Éden, etc.; Oséias 6.7). Deus também o declarou como cabeça e representante da
aliança de toda a raça humana. [3] Portanto, todos os homens estão condenados
no pecado de Adão contra a exigência divina da perfeita obediência à lei. No
pecado de Adão contra as Leis Divinas, enquanto estava debaixo da lei de Deus, ele e
todos os seus descendentes estavam debaixo da lei com ele e
ficaram sob a condenação de Deus por deixar de guardar "a Lei"
perfeitamente. Todos os homens nasceram debaixo do pecado porque nasceram
condenados debaixo da lei na Aliança das Obras, tanto judeus
como gentios (Romanos 3.19-20).
As Leis que todos os homens são culpados de
transgredir debaixo da lei são mais do que a lei particular
de não comer o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. São as Leis
Divinas morais, os dois grandes mandamentos, resumidos nos Dez Mandamentos, o
reflexo da imagem de Deus no homem. Até os gentios, que não tiveram a revelação
mosaica, fizeram "por natureza" as coisas "da Lei", com sua
consciência dando testemunho, porque eles tinham a "Norma da Lei gravada
no seu coração" como Adão tinha, embora agora estivessem corrompidos
(Romanos 2.14-16).
O que a Lei era originalmente no coração de Adão debaixo da lei e continua
escrita no coração de todos os homens? Em Romanos 2.14-16, esta Lei é definida
no contexto como "a lei da natureza", o resumo dos Dez Mandamentos,
que os judeus receberam depois e transgrediram (1.21,22;7.7; roubo, adultério,
idolatria, cobiça). Assim, todos os homens estão condenados debaixo da lei por não
obedecer perfeitamente à Lei de Deus.
Na verdade, "a força do pecado é a lei"
(1 Coríntios 15.56). A Lei por si mesma pode apenas revelar a natureza santa de
Deus, a imagem moral original de Deus no homem, e definir o pecado e a justiça.
Ela em resumo desperta o pecado por nossa incapacidade de cumpri-la
perfeitamente e não pode nos justificar (Romanos 7.8-10). Quanto mais tentamos
cumpri-la para nos justificar diante de Deus, mais falhamos pecando. Todos os
homens estão sob o domínio do pecado porque estão debaixo da lei diante de Deus.
Portanto, o pecado é o nosso senhor enquanto estamos debaixo da lei.
Debaixo da Graça
Contudo, nosso texto também ensina que todos os
cristãos verdadeiros, justificados uma-vez-por-todas, foram transferidos da
condição debaixo da lei em Adão para debaixo da graça na autoridade e
salvação de Cristo. Isto geralmente é chamado de Aliança da Graça. Embora a
aliança de Adão fosse uma aliança com base na lei, a aliança de Cristo é uma
aliança baseada na graça. Foi anunciada em Gênesis 3.15, profetizada através
das "alianças da promessa" do Antigo Testamento e cumprida na Nova Aliança
da graça de Jesus Cristo.
Estar em Cristo é estar debaixo da graça tão somente
pela fé e não mais debaixo da lei para salvação por meio da obediência perfeita na
aliança fracassada de Adão. Cada um permanece ou em Adão debaixo da lei ou em Cristo debaixo da graça, mas não em
ambas as condições ao mesmo tempo. Por isso devemos pregar o Evangelho da graça
a todos os homens.
Estar debaixo da graça significa que o
pecado não pode ter domínio sobre nós porque a graça em Cristo nos liberta da
condenação da perfeita obediência-à-Lei em Adão. Isso acontece através da vida
de nosso Senhor de perfeita obediência-à-Lei e da sua morte expiatória
pelos transgressores da lei. Você não pode realmente entender a cruz sem
entender a Lei. Debaixo da graça significa que Deus nos garante a
justificação pela fé somente em Jesus Cristo através de Sua perfeita expiação
pelo pecado e a imputação de Sua justiça perfeita como um dom. Também significa
que o novo nascimento grava a Lei de Deus em nossos corações de modo que de novo
temos nela prazer (Jeremias 31.31-34, 32.40; Romanos 7,22). Esta "graça na
qual estamos firmes" por toda a caminhada cristã impele e fortalece o
pecador perdoado a amar a Deus e guardar os Seus mandamentos sem medo da
condenação. Debaixo da graça, o crente não sente mais que a
obediência à Lei de Deus é um fardo que condena, mas um privilégio alegre dos
salvos debaixo da graça (Romanos 3.24, 5.2, 5.15, 5.21,
6.14-15).
O cristão vive debaixo da graça de acordo com a
Lei de Deus de modo que o pecado já não tem mais domínio sobre ele. Embora o
cristão ainda cometa pecados contra os mandamentos de Deus mesmo debaixo da graça, o poder do
pecado, que é a condenação da lei, foi quebrado. A santificação, então, é o
exercício diário da fé salvadora em Cristo, redimido por Seu sangue e coberto
com Sua justiça, pela fé justificadora na qual procuramos guardar a Lei de Deus debaixo da graça. Por isso Jesus
disse: "Se me amais, guardareis os Meus mandamentos." A fé operante
através do amor a Deus é a evidência de estar debaixo da graça. E essa fé sempre funciona.
Pastoralmente
Evangelismo
Tendo perdido a importância da Lei de Deus para
revelar o pecado ao pecador, o evangelismo hoje tornou-se cada vez mais
superficial. Mas "pela lei vem o pleno conhecimento do pecado" (Romanos
3.19-20). O pecado em muitas apresentações não aparece em termos de
transgressão aos Dez Mandamentos e condenação diante de Deus. Portanto, o
arrependimento também é deixado de fora. Como resultado, muitos que
supostamente reagem ao convite do evangelho nunca se arrependeram da
transgressão da lei e não se comprometeram a viver uma vida santa, obediente.
Os registros em nossas igrejas batistas estão cheios deles. O verdadeiro
evangelismo deve pregar o Evangelho da libertação do domínio do pecado debaixo da lei. Mas se a Lei
não é usada para definir o pecado, como os pecadores saberão até que ponto são
pecadores e a que tipo de vida santa estão se comprometendo?
Compreender que o Evangelho leva os pecadores a
passarem da ilegalidade para a redenção e para a guarda da lei revitalizaria as
apresentações evangelísticas e a pregação com uma explícita convocação para
abandonar o pecado e seguir a Cristo como Senhor. Os erros do "cristão
carnal" e o misticismo exaltado sem a orientação da Lei de Deus seriam
resolvidos com o recebimento da salvação. Então a convocação para ser discípulo
de Cristo seria mais do que uma política de seguro para o céu. Veríamos
pecadores negando-se a si mesmos, assumindo a sua cruz diariamente e seguindo
Jesus, que é uma descrição do discipulado (Mateus 16.24). Não é o que desejamos
ver no evangelismo? Então temos de pregar a Lei e o Evangelho.
Santificação
Os mestres da vida cristã geralmente negligenciam a
Lei de Deus por completo. A ênfase sobre "submissão completa... rededicação
da vida a Cristo... segui-lo por onde Ele mandar... amar a Deus de todo o seu
coração..." etc., não tem significado sem a Lei: "Se me amais,
guardareis os meus mandamentos... Porque este é o amor de Deus: que guardemos
os seus mandamentos; ora, os seus mandamentos não são penosos" (João
14.15; 1 João 5.3). Uma igreja não segue a Grande Comissão até que tenha feito
discípulos, batizado e ensinado "a guardar todas as coisas que vos tenho
ordenado" (Mateus 28.18-20). A igreja que não está ensinando obediência
fiel à Lei de Deus está desobedecendo a Grande Comissão. A igreja também não
pode praticar a disciplina eclesiástica com fidelidade e consistência se não
entender que "pela lei vem o pleno conhecimento do pecado... o pecado é a
transgressão da lei" (Romanos 3.20; 1 João 3.4).
Pregação
Se a doutrina da Lei e do Evangelho está no centro
da revelação de Deus ao homem para salvação e santificação, então os pastores
devem ter o cuidado de pregar a Lei e o Evangelho de maneira adequada.
Para os não convertidos, precisamos ter certeza de
que explicamos que eles estão debaixo da lei e não têm esperança de
justificação e salvação pelas obras diante de Deus. Também precisamos lhes
mostrar suas transgressões da Lei para que saibam que são pecadores condenados debaixo da lei e que devem se
arrepender de suas transgressões da lei diante de Deus. Devemos lhes mostrar
como Cristo cumpriu a Lei por eles e morreu para expiar suas transgressões da lei
para que possam receber o perdão exatamente como um presente de graça. E devemos
lhes mostrar que ao aceitar a salvação eles estão se comprometendo a amar Jesus
Cristo e guardar os Seus mandamentos.
Para os convertidos, os pastores devem com certeza
ensinar a Lei de Deus para explicar o que é a santidade. E quando ensinarem um mandamento
aos santos devem ter certeza de que ensinam o Evangelho, que os santos estão debaixo da graça em Cristo
quando procurarem obedecer, para não tropeçarem no orgulho, na arrogância ou na
justiça-própria; ou no desespero de que sua obediência não é suficiente para
Deus aceitá-los. Devemos esclarecer quando ensinarmos a obediência que
"sendo justificados (uma vez por todas), pois, mediante a fé, temos paz
com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo" (Romanos 5.1). Apenas
aqueles que vivem pela fé debaixo da graça terão o consolo e a força de que
"o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo da lei, e sim
da graça" (Romanos 6.14). Muitas vezes tenho ouvido
pastores convocando os santos a uma vida de santidade, obediência fiel aos mandamentos
de Deus, sem lhes dar o consolo do Evangelho no caminho.
Conclusão
Entender a Lei e o evangelho de maneira adequada é
a chave da vida e pregação Cristocêntricas. Nós o apresentamos como aquele que
cumpriu a Lei para os pecadores debaixo da lei, que vicariamente assumiu suas
transgressões da lei e o juízo merecido, morrendo então sobre a cruz em um
sacrifício justo diante de Deus pelos injustos. "Aquele que não conheceu
pecado, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de
Deus" (2 Coríntios 5.21). Agora, chamamos a todos os que estão condenados debaixo da lei a se arrepender
e aceitar pela fé a reconciliação debaixo da graça e a vida
eterna.
E convocamos os salvos pela graça a viver pela fé
com alegria debaixo da graça e estabelecer uma vida obediente,
santa, guardando a Lei com amor pelo seu querido Salvador e Senhor, que disse:
"Se me amais, guardareis os meus mandamentos" (João 14.15).
Este é o remédio para o evangelismo superficial,
santificação superficial, membros de igreja sem conversão, misticismo
desenfreado e desorientado, sem disciplina eclesiástica. A Lei e o Evangelho
são diferentes, embora sejam amigos inseparáveis. A Lei dá apoio à pregação do
Evangelho, revelando o significado e a glória da cruz. E o Evangelho, que salva
da condenação da Lei, manda os remidos de volta para a Lei como uma regra de
vida debaixo
da graça.
Notas:
1. Veja
Capítulo 19 – "Sobre a Lei de Deus" na Second
London Baptist Confession (1689). Este capítulo
também está incluído nos credos batistas de Filadélfia e Charleston aos quais
muitos dos nossos antepassados Batistas do Sul se filiam.
2.
Charles
Bridges, The
Christian Ministry (Edinburgh:
The Banner of Truth Trust, 1976), 222.
3.
James
P.Boyce, Abstract
of Systematic Theology (1887;
reprint, Pompano Beach, Florida: Christian Gospel Foundation, 1979), 234-239.
Traduzido por: Yolanda
Mirdsa Krievin Copyright © Editora Fiel 2011
Dr. Fred Malone
serviu como pastor da First Baptist Church em Clinton, Louisiana. Ele obteve
seu bacharelado pela Auburn University, seu M.Div. pelo Reformed Theological
Seminary e seu Ph.D em Novo Testamento pelo Southwestern Baptist Theological
Seminary. Dr. Malone é membro do Conselho de diversas organizações, incluindo
Founders Ministries, Southern Baptist Theological Seminary, o Conselho
Administrativo da Association of Reformed Baptist Churches in America e o
Institute of Reformed Baptist Studies at Westminster Seminary na California. É
autor de vários livros e artigos teológicos, professor e palestrante em
conferências e seminários teológicos.
O leitor tem permissão para
divulgar e distribuir esse texto, desde que não altere seu formato, conteúdo e
/ ou tradução e que informe os créditos tanto de autoria, como de tradução e
copyright. Em caso de dúvidas, faça contato com a Editora Fiel.
Muito bom como sempre, Diogo. Vou colocar no meu blog.
ResponderExcluirAbraço